26.12.10

A vida é complicada quando não se acredita em nada. É preciso depositar toda a fé de nada em si e fazer sozinho o que um deus faz pelos outros, ser dono dos próprios milagres. Não é fácil ser seu próprio deus.

19.12.10

vou embora
porque preciso conhecer o mundo
ou porque preciso de um objetivo
porque não ter sonhos causa depressão
e falta de amor também

3.11.10

Bailarina

Rodopiou em seu equilíbrio e desenhou uma esfera ao seu redor. Mais uma vez acabou na redoma invisível com lugar para uma só pessoa. Quis dividir o espaço e não tinha a quem chamar, gritou e ninguém respondeu. Tirou as sapatilhas, jogou contra a parede com a maior força do mundo, acertando o espelho que rachou em milhões de pedaços.
Tinha o coração cansado e os pés moídos de ensaios sem apresentações, tinha os sentidos fartos de tanto se guardarem para o final que nunca chegava. Conhecia bem a dor de quem dança sozinho uma dança de se dançar a dois. Conhecia o medo e a ilusão como se estes fossem seus grandes companheiros da vida.
Invejou a simplicidade daqueles que desconhecem seus próprios pensamentos. Por um momento quis cair sem encontrar chão pelos próximos 20 segundos, talvez mais. Desejou um pouco de adrenalina e medo da morte pra se sentir viva, depois sorriu por sabê-lo absurdo.
Buscou as sapatilhas do outro lado do salão, guardou na bolsa e calçou os tênis. Viu seu reflexo rachado e sentiu-se bonita cortada em vários pedaços. Pensou que essa imagem era mais real do que qualquer outro espelho, dividida em partes e partida ao meio. Espetou o dedo na ponta de um caco afiado só para ver o vermelho formar uma bolha. Apagou as luzes, apagou as memórias. Vestiu um sorriso e foi pra casa fingir que tudo estava bem.

2.11.10

sereia

Às vezes a impressão que tenho é que estou nadando com um objetivo muito claro: o lado mais fundo do oceano. Eu nado, nado, nado simplesmente pra conferir se tenho um motivo pra nadar.
Eu que sou sereia, não posso me dar ao luxo de morrer afogada.

11.10.10

8.10.10

Dona Ana e o Marido.

"Fui eu quem convidei ele para ir ao cinema na primeira vez que saímos. Naquela época não era nem um pouco comum. E eu nem gostava de cinema, gostava era de dançar. Ficamos muito amigos primeiro, foram alguns meses de passeios, mas acabamos namorando. Eu ficava resistindo porque ele era tímido e eu gostava de sair. Mas daí pensei: no baile vão sempre as mesmas pessoas, é sempre a mesma coisa. E o Índio, o moço por quem eu era apaixonada, não gostava de mim, só do jeito que eu ia vestida nas festas - você entende o que eu quero dizer. Resolvi dar uma chance e parei de sair pra dançar. Não me arrependi, porque quando a gente sabe que é amor, algumas coisas são mais importantes.

O que eu mais gostava nele era quando a gente pegava ônibus. Ele tinha os ombros largos assim, fortes. E eu achava lindo os ombros sobrando dos lados do encosto do banco. E os cabelos escuros. Hoje ele é quase careca, mas ele tinha os cabelos lindos. Menina, se eu te mostrasse uma foto da época do nosso casamento, quando a gente foi pra praia, você não ía acreditar!

Nós ainda somos apaixonados. São 33 anos de casados depois de 9 e meio de namoro. E eu continuo apaixonada por ele. Sabe o que eu gosto no meu marido? O cheiro da pele. Eu gosto do cheiro da pele dele. Sabe que quando ele dorme e vira de costas, eu não viro as costas pra ele. Às vezes eu aproximo o rosto só pra sentir o cheiro da pele.

Ele é o homem da minha vida. Não vou dizer que tudo é perfeito, nós somos um casal. Ontem mesmo ele estava afoito, sabe quando a pessoa fica andando de um lado para o outro da casa sem saber o que tem de errado? Nós sempre tomamos café juntos quando eu chego do trabalho e ele esqueceu de comprar pão, daí me perguntou se podia por a mesa do jantar. Eu falei 'Marido, mas eu nem coloquei o arroz no fogo ainda!'. Mas acho que era só porque estava chovendo e ele tomou chuva no caminho pra casa. Eu perguntei como tinha sido o dia dele no serviço e depois ficou tudo bem."

4.10.10

a culpa é de mercúrio

se não me equilibro nos meus pés, não me encontro nos meus sonhos, não me conformo com dizeres, não me adapto ao que eu sou, culpo mercúrio. se não sei guardar meus segredos, não sei agir conforme planejo, pulo as melhores partes, faço exatamente o contrário do que meu impulso me diz, culpo mercúrio.
se uso os astros pra justificar qualquer traço da minha personalidade que tenho preguiça de controlar, me culpo e só.

27.9.10

Como se pudesse esquecer meus caminhos e tropeçar em minhas próprias pernas. Como se pudesse assim me encontrar na vida dos outros enquanto a minha termina nula, vazia, sem sentido qualquer que faça valer. Como se eu quisesse uma realidade impossível e não tivesse apoio ou coragem de torná-la plausível. E assim, como se fosse, vou sendo. Seja lá o que eu sou.

1.9.10

o velho na linha do trem

deu num jornal sensacionalista
aconteceu com o conhecido de um conhecido meu
ele gostava de ver o trem passar
e foi vendo o trem que ele morreu

fez as malas, diziam que estava indo embora
mas tinha medo de atravessar a avenida.
e da linha do trem, o senhor não tem medo, não?
o bicho trem eu conheço, ele vai sempre na mesmo direção.
mas o bicho homem, nesse eu não confio, prefiro ir na contramão.

e na contramão o velho foi
levando um litro de leite e um pão
sem documentos, sem direção
diziam que estava indo embora
o que não sabiam é que seria a última vez.

deu num jornal sensacionalista
aconteceu com o conhecido de um conhecido meu
ele gostava de ver o trem passar
e foi vendo o trem que ele morreu

não esperou mais nenhuma hora
na linha de ferro em que seu corpo esfarelou
diziam que estava indo embora
e quem dizia acertou.

24.8.10

acordei e olhei para o nada, porque só o nada me era permitido.
quando fui dormir eu olhei além. em sonho não tenho limite.

22.8.10

voltando pra casa

chorou porque a lua nascendo enquanto o sol morria era linda
chorou porque sentia falta de algumas coisas e pessoas que não iam voltar a viver
chorou pela lembrança
chorou porque não sentir nada de verdade e de repente sentir tudo era extremamente desagradável.
e então, quando não havia mais lágrimas, chorou porque viver doia muito.
depois dormiu.

12.8.10

11.8.10

sobre contos

O texto em terceira pessoa não dói. Ou talvez seja o que dói mais. Incluir-se assim, deixando-se de lado, substituindo-se, fazendo pouco caso de si...
Escrever é sempre um exercício suicida, sempre arranca pedaço. E depois devolve, pela metade, o que sobrou de ser dito.

28.6.10

last night, she said

Ela não se esquece de deixar claro o quanto é fácil passar por cima de mim. Basta que as luzes se apaguem, o álcool faça efeito, um mínimo de espaço e ela revela sua existência ridícula. Fala demais, essa menina que não tem o que dizer. Ri demais e acha graça de tudo. É muito agradável, e você quer tê-la, mas tem algo de agressivo, algo que te faz sentir mal. Por que ela não fala o nome inteiro? Por que ela some e sai andando entre as pessoas cada vez que você se distrai? Por que falar de astrologia se ninguém acredita mesmo? Por que perder o mistério, se ninguém quer realmente saber sobre sua ideologia barata de gente sem futuro? Sou só um amontoado de ideias perdidas que ela revela sem me pedir licença e depois fica achando bonita minha contradição quando amanhece.

Ela é ótima na arte de acumular pessoas, no sentido da palavra. Não conquista, não agrada, acumula. Chega sozinha, vai embora sozinha, mas gasta um repertório inteiro de palavras e se despede de todos os semi-conhecidos da noite. Alguém vê através disso? Talvez seja o único motivo pra eu ainda deixar isso acontecer. Tinha me acostumado a ser cenário e quando ganho personagem, acho pedir demais escolher o que interpretar. Que venha qualquer coisa fútil alegrar meu figurino, que seja brilhante, que seja inesquecível, mesmo que seja feio. Essa Verônica é mesmo um sopro de qualquer coisa doce e enjoativa com o pior dos venenos, fazendo com que minha presença seja ao mesmo tempo marcante, confusa, passageira e duvidosa. É como conhecer todo mundo e não conhecer ninguém. Pior: é como se todo mundo me conhecesse e ninguém realmente quisesse saber de mim. Só dessa louca que sai por aí sendo tudo ao mesmo tempo e nada, pra finalizar.

Ninguém desconfia do que resta pela manhã. E talvez seja bom assim. Talvez seja uma espécie de proteção essa adaptação de quem sou eu em cada lugar que eu vou. Deve ser melhor do que ficar de braços cruzados no canto de um bar porque a única amiga que foi junto está ocupada e tenho medo de multidões em que não conheço ninguém. Talvez essa superficialidade seja só um ensaio do que um dia vou chamar de personalidade. Essa mesma, que eu escondo durante a noite. E a única dúvida que resta não é qual das duas eu realmente sou. É qual de nós é realmente importante. E talvez eu nunca descubra isso.

27.6.10

a alma já foi

Amanda nunca havia estado num funeral antes. Achava ruim que sua primeira vez fosse para assistir ao desfile do caixão de sua melhor amiga, mas sua mãe, que sempre evitava exposições a este tipo de ritual que foca toda a espiritualidade num lugar, não opinou sobre sua presença desta vez. Rezar para o que quer que fosse, pedir ao céus, era muito bonito, mas isso não precisava ser feito na igreja, numa missa. Não era superproteção nem coisa do tipo, era só porque não valia a pena ver um corpo morto e ficar com lembranças tão tristes se a alma já não estava mais ali. Dessa vez, ignorou todo o discurso porque não se tratava de suas crenças, e sim da sua filha sofrendo uma perda que não tinha palavra de conforto pra melhorar.

Viu o corpo inerte da amiga e a lágrima quis sair. "Mas a alma não está mais aqui", ouviu a mãe dizer em sua cabeça. A mãe observava de longe querendo conter sua lágrima e lembrá-la que a alma não estava lá. Suas vibrações chegaram de algum modo.

Mas a alma que já não estava lá talvez precisasse de um abraço, ela pensou. E pensou também que o corpo lá estirado podia ser o seu próprio, se não fosse por alguns segundos de sorte e paramédicos desfocados. Em algum momento enquanto esteve no hospital, chegou a pensar sobre isso também, sobre como seria, até desejou morrer um pouco para experimentar a sensação de quebrar a rotina e conhecer o outro lado.

Passou a mão na barriga e desejou que seu filho também tivesse um funeral. "A alma já não está mais aqui". Mas a família não sabia, nem podia saber, não apoiariam. Já havia causado muita discórdia ao acidentar-se numa carona de um carro de desconhecidos, não podia revelar o aborto que sofreu com a batida. Se fosse como a amiga, que não se lembrou do cinto de segurança, não precisaria mais ouvir os pais moralistas, nem passaria vergonha com suas imagens ferida na TV. Seria só mais um número nas pesquisas sobre mortes em acidentes de carro com motoristas alcoolizados.

Caminhou de volta até o alto do cemitério que mais parecia um parque verde e bonito, distanciou-se da multidão que acompanhava o caixão vazio de alma. Atrás deles, o pôr-do-sol. Era tão bonito, que desejou não ver mais nenhum outro depois deste, pra poder guardar esta última imagem. Como os corpos, que deviam ser lembrados com rostos corados e sorrisos vivos.

Fez uma breve lista mental de prós e contras que habitariam o próximo passo: vão achar que foi tristeza, vão colocar uma foto 3x4 minha na TV e nos jornais, nunca mais verei ninguém. Não quero mais pôr-do-sol, verei meu bebê, não quero voltar pra casa hoje.

E caminhou em direção a rua, mergulhando no primeiro viaduto na saída do cemitério. Não pelos argumentos listados, não pela aversão à raça humana, não por nada especial. Diriam que foi depressão, que foi a idade, que adolescência é mesmo uma fase difícil. Mas foi pura física, quando a terra chamou seu corpo e o céu aceitou seu espírito.

Não havia mais nome escolhido durante a gravidez, não havia covinhas nas bochechas, brilho nos olhos, não haveria um aniversário de dezoito anos. Não haveriam aulas da auto-escola, nem primeiro voto nas eleições. Amanda foi e levou toda uma identidade que deixava de ser vida, e, ignorada, passava a ser superestimada, como todos os que já foram.

Alguém gritou, o pai negou, a mãe correu. Abraçou o corpo da menina que já não tinha expressão. "Minha alma não está mais aqui", disse em seu ouvido. E a lágrima caiu.

9.6.10

Essa minha mania de falar o tempo todo é só porque eu acho o silêncio pesado demais.

27.4.10

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.

Carlos Drummond de Andrade
(que falta você faz...)

14.2.10

estou perdendo a escrita. vejo, aos poucos, as palavras me escapando do formato. perco os argumentos, os artifícios, as ideias. restam alguns conjuntos repetitivos de obrigações, quando o teclado me chama os dedos e, automático, escreve algo por mim. falo da vida como se fosse um verbo no passado, alguma coisa que costumava ser e hoje só me lembro. falta tempo, falta apego, faltam laços e sobra essa mania de descrever o sentimento dos outros que não sabem dizer. sobrevivo das lembranças, tão alheias e mais coloridas do que eram realmente, quando chamadas de presente. o que houve com o tempo de ser fútil? cadê a leveza da sobra de tempo pra dormir depois do almoço? tenho ficado velha e irritável, falta a paciência que só conviver com gente além do horário de trabalho cultiva dentro de mim.tenho fugido de papel e caneta, escrever torna tudo real. fico fugindo dos fatos, do futuro, dessas afirmações que são lógicas, mas injustas. a morte é muito injusta. as pessoas saindo de nossas vidas sem possibilidade de lutar contra, é injusto. eu não escrevo há mais de um mês e esse não é um bloqueio comum de criatividade. tem dores que não devem ser verbalizadas. tem dias que não devem ser escritos.

22.1.10

the hardest thing I've ever done is keep beliving there's someone in this crazy world for me. the way that people come and go through temporary lives, my chance could come and I might never know. I used to say no promises, let's keep it simple. but freedom only helps you say goodbye. it took a while for me to learn that nothing comes for free, the price I've paid is high enough for me. I know I need to be in love, I know I've wasted too much time. I know I ask perfection of a quite imperfect world, and fool enough to think that's what I'll find. so here I am with pockets full of good intentions, but none of them will comfort me tonight. I'm wide awake at 4 am, without a friend in sight, hanging on a hoop, but I'm all right.

Carpenters

2.1.10

medo

das longas durações, das curtas distâncias, do compromisso, da liberdade, de ser invisível, de perder a discrição, das noites insones, de dormir pra sempre, de falar demais, de acabar o assunto, de perder a viagem e me perder. medo da febre, do frio, da ressaca, da sobriedade, do preto, do branco, mais ainda do cinza. medo de não ter chão, medo de não voar. tenho medo da intimidade, das relações de aparência, do escuro e da claridade, portas e janelas, vida e caos. medo de respirar em público, de conversas sobre mim que eu não consigo ouvir, de sentar de costas para o fluxo de pessoas, de tocar maçanetas após lavar as mãos, de não enxergar conhecidos, de não cumprimentar e ser antipática. medo da morte próxima, medo de viver demais. medo do nunca e do pra sempre.
medo de ter medos demais e não sobrar nada para gostar de verdade. medo de escrever tanto essa palavra e não sobrar espaço pras outras, e ter medo sem saber do quê.