14.2.10

estou perdendo a escrita. vejo, aos poucos, as palavras me escapando do formato. perco os argumentos, os artifícios, as ideias. restam alguns conjuntos repetitivos de obrigações, quando o teclado me chama os dedos e, automático, escreve algo por mim. falo da vida como se fosse um verbo no passado, alguma coisa que costumava ser e hoje só me lembro. falta tempo, falta apego, faltam laços e sobra essa mania de descrever o sentimento dos outros que não sabem dizer. sobrevivo das lembranças, tão alheias e mais coloridas do que eram realmente, quando chamadas de presente. o que houve com o tempo de ser fútil? cadê a leveza da sobra de tempo pra dormir depois do almoço? tenho ficado velha e irritável, falta a paciência que só conviver com gente além do horário de trabalho cultiva dentro de mim.tenho fugido de papel e caneta, escrever torna tudo real. fico fugindo dos fatos, do futuro, dessas afirmações que são lógicas, mas injustas. a morte é muito injusta. as pessoas saindo de nossas vidas sem possibilidade de lutar contra, é injusto. eu não escrevo há mais de um mês e esse não é um bloqueio comum de criatividade. tem dores que não devem ser verbalizadas. tem dias que não devem ser escritos.