2.7.13

Quantas lágrimas

Olha, viver tem me doído. Os ossos estão que não se aguentam e o coração, coitado, não acelera nem quando atravesso a rua sem olhar. Se não fosse de pequenezas, nem sei como viveria.

Eu bem queria ter ao meu lado a família que deixei, então este fim de domingo seria de churrasco e música, não de cachaça e solidão. Mas muitas coisas passaram sem dizer, os cabelos já mudaram de cor, a cidade ganhou novos prédios e os celulares roubaram o romance de um telefonema.

Ah, quantas lágrimas eu tenho derramado, só em saber que não posso mais reviver o meu passado.

Se antes eu me preenchia de satisfação e orgulho das minhas crias, hoje nem ao menos tento voltar a vê-las. Porque não fui um bom homem, admito, e hoje já não tenho esperanças de consertar meus erros. Apenas aceito e lamento o que um dia foi meu lar. Era feliz, era vivo, tinha amor. Tinha tudo e sabia, e cuidava, e mantinha.

Eu vivia cheio de esperança e de alegria, eu cantava, eu sorria. Mas hoje em dia eu não tenho mais a alegria dos tempos atrás.

Mas hoje em dia eu não tenho mais a alegria dos tempos atrás.

Só melancolia os meus olhos trazem. Ai, quanta saudade a lembrança traz. Se houvesse retrocesso na idade, eu não teria saudade da minha mocidade.

Os lábios que entoavam o samba triste, já tão amargos do álcool barato, desaprenderam a sorrir. Fecharam-se para os pedidos de desculpas, os gritos que libertam, as confissões que tiram o peso do coração. Restou um punhado de canções de letras trocadas e afinação precária.

Mas hoje em dia eu não tenho mais a alegria dos tempos atrás.

O rádio abafado repetia o refrão e o homem acompanhava aos murmúrios, pensando em tudo que quase foi. E se foi. Numa mão, o copo americano vazio. Na outra, uma fotografia. O atendente do balcão, já tão acostumado com seu sono repentino, não se surpreendeu e disse "estamos fechando". Ele se foi. "Estamos fechando", repetiu o garçom "Você paga amanhã, mas precisa ir embora". E ele foi. Ainda que não se movesse, já não estava lá.