3.11.10

Bailarina

Rodopiou em seu equilíbrio e desenhou uma esfera ao seu redor. Mais uma vez acabou na redoma invisível com lugar para uma só pessoa. Quis dividir o espaço e não tinha a quem chamar, gritou e ninguém respondeu. Tirou as sapatilhas, jogou contra a parede com a maior força do mundo, acertando o espelho que rachou em milhões de pedaços.
Tinha o coração cansado e os pés moídos de ensaios sem apresentações, tinha os sentidos fartos de tanto se guardarem para o final que nunca chegava. Conhecia bem a dor de quem dança sozinho uma dança de se dançar a dois. Conhecia o medo e a ilusão como se estes fossem seus grandes companheiros da vida.
Invejou a simplicidade daqueles que desconhecem seus próprios pensamentos. Por um momento quis cair sem encontrar chão pelos próximos 20 segundos, talvez mais. Desejou um pouco de adrenalina e medo da morte pra se sentir viva, depois sorriu por sabê-lo absurdo.
Buscou as sapatilhas do outro lado do salão, guardou na bolsa e calçou os tênis. Viu seu reflexo rachado e sentiu-se bonita cortada em vários pedaços. Pensou que essa imagem era mais real do que qualquer outro espelho, dividida em partes e partida ao meio. Espetou o dedo na ponta de um caco afiado só para ver o vermelho formar uma bolha. Apagou as luzes, apagou as memórias. Vestiu um sorriso e foi pra casa fingir que tudo estava bem.

2.11.10

sereia

Às vezes a impressão que tenho é que estou nadando com um objetivo muito claro: o lado mais fundo do oceano. Eu nado, nado, nado simplesmente pra conferir se tenho um motivo pra nadar.
Eu que sou sereia, não posso me dar ao luxo de morrer afogada.